A rua Sarandí

Não me lembro de outras tardes senão dessas tardes de outono que ficaram presas apagando as outras. Os jardins e as casas adquiriam ares de mudança, baús invisíveis flutuavam no ar e os lençóis brancos já começavam a brotar sobre os móveis escuros do quarto. Só as casas mais modestas se salvavam das despedidas invernais. Eram tardes frescas e os últimos raios de sol amarelo, deste mesmo rosado-amarelo, envolviam as árvores da rua Sarandí, quando eu era pequena e me mandavam à mercearia para comprar arroz, açúcar e sal. O medo de perder algo fechava hermeticamente as minhas mãos sobre as folhas que arrancava das sebes; por um instante acreditava levar uma mensagem misteriosa, uma fortuna na folha enrugada e cheirando a pasto no calor da minha mão. Na metade do trajeto, da casa onde vivíamos até a mercearia, um homem surgia, sempre em mangas de camisa, e dizia palavras pegajosas, perseguindo minhas pernas nuas com um raminho de salgueiro, para espantar mosquitos. Esse homem constituía parte das casas. Estava sempre ali como um degrau ou como uma grade. Às vezes eu seguia por outro caminho, dando uma volta longa pela beira do rio, mas as cheias me impediam muitas vezes de passar e o caminho mais curto parecia inevitável. Minhas irmãs eram seis, algumas se casaram, outras morreram de estranhas doenças. Depois de viverem muitos meses na cama, se levantavam como se retornassem de uma longa viagem por entre florestas de espinhos; voltavam raquíticas e cobertas de contusões muito azuis. Minha saúde me enchia de obrigações, tanto com elas quanto com a casa.

As árvores da rua Sarandí se cobriam de ondas de vento. O homem que assomava na porta de sua casa escondia no rosto retorcido uma faca invisível que me fazia sorrir de medo e que me obrigava a passar pela sua calçada com uma lentidão de pesadelo.

Numa tarde mais escura e mais invernal que as outras, o homem não estava no caminho. De uma das janelas surgiu uma voz mascarada pela distância, me perseguindo, não olhei para trás, mas senti que alguém me encalçava e me agarrava no pescoço dirigindo meus passos firmes para dentro de uma casa envolta em fumaça e teias de aranha cinza. Havia uma cama de ferro no meio do quarto e um despertador que marcava as cinco e meia. O homem estava atrás de mim, a sombra que projetava crescia no piso, subia até o teto e terminava numa cabeça pequenina envolta em teias de aranha. Não quis ver mais nada e me fechei no quartinho escuro das minhas mãos, até que tocou o despertador. As horas haviam passado nas pontas dos pés. Uma respiração branda de sonho invadiu o silêncio; ao redor da lâmpada de querosene caíam lentas gotas de mariposas mortas, quando, pelas janelas dos meus dedos, vi a quietude do quarto e os largos sapatos abertos na beira da cama. Senti o horror da rua e da vida. Saí correndo desatando minhas mãos; derrubei uma cadeira trançada cor de madrugada. Ninguém me ouviu.

Desde esse dia não vi mais aquele homem, a casa se transformou numa relojoaria com um vendedor que tinha um olho de vidro. Minhas irmãs se foram indo ou desaparecendo junto à minha mãe. A força de lavar o piso e a roupa, a força de remendar as camisas, o destino se apoderou da minha casa sem que eu me desse conta, levando tudo consigo, menos o filho da minha irmã mais velha. Não ficou nada delas, exceto algumas meias e camisolas remendadas e uma fotografia do meu pai, rodeado por uma família anã e desconhecida.

Agora neste espelho roto ainda reconheço as formas das tranças que aprendi a fazer quando pequena, grossas em cima e finas embaixo como os troncos das paineiras. A cabeça da minha infância foi sempre uma cabeça branca de velhinha. Minha fronte agora é cruzada por sulcos, como um caminho por onde já passaram muitas rodas, tantas foram as caretas que fiz ao sol.

Reconheço essa fronte nunca lisa, mas não conheço mais o filho da minha irmã, era terno e sempre o vi como um recém-nascido quando o me deram todo enrolado em um lenço de flanela celeste porque era um varão. Me acordava todas as manhãs com uma gargalhada borbulhante banhada em águas límpidas e seu choro me abençoava as noites.

Mas a roupa que algumas famílias me entregavam para lavar ou para costurar, os bordados das toalhas de mesa, as costuras, invadiam meus dias enquanto o filho da minha irmã engatinhava, aprendia a caminhar e ia à escola. Não me dei conta que sua voz tinha despencado de uma maneira vertiginosa aos dezesseis anos, como a voz do seu amigo da escola que o ajudava a fazer as lições. Não me dei conta até o dia em que pronunciou um discurso ensaiando para uma festa na escola; até então acreditei que esta voz obscura saía do rádio ao lado.

Quantos bordados eu fiz, bordados de flores de baunilha e biscoitos de baunilha (pois não posso desperdiçar a oportunidade de fazer alguns biscoitos ou doces para vender de vez em quando), quantas bainhas e punhos eu costurei, quanta espuma branca bati lavando a roupa e o chão. Não quero ver mais nada. Este filho que foi quase meu tem uma voz desconhecida que brota de um rádio. Estou trancada no quartinho escuro das minhas mãos e pela janela dos meus dedos vejo os sapatos de um homem na beira da cama. Este filho foi quase meu, essa voz recitando um discurso político deve vir do rádio vizinho, o homem com um raminho de salgueiro para espantar mosquitos. E esse berço vazio, tecido de ferro…

Fecho as janelas, aperto meus olhos e vejo azul, verde, vermelho, amarelo, violeta, branco, branco. A espuma branca, o azul. Assim será a morte quando me arrancar do quartinho das minhas mãos.

 Silvina Ocampo

(tradução Natércia Pontes)

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